MARINA


Marina não é um lugar, mas uma maré — um ritmo carregado em dobras, fibras e fragmentos. Nesta exposição do artista carioca Zé Tepedino, sua primeira individual nos Emirados Árabes Unidos, ele apresenta obras que refletem sobre as camadas que moldam nosso mundo — tanto físicas quanto emocionais. Quando não está interagindo com a cidade em escala 1:1 — sem permissões ou alarde, atuando no estilo guerrilha, reorganizando materiais e móveis urbanos em espaços públicos —, Zé está acumulando as texturas da cidade em seu ateliê na Lapa. Ele coleta os resíduos das ruas e praias do Rio — guarda-sóis queimados de sol, toalhas desbotadas, tecidos das icônicas cadeiras de praia, sacolas plásticas amassadas, isopores de cerveja das rodas de samba e as infinitas Havaianas descartadas. Tepedino trabalha com os "tecidos" urbanos (literalmente), abordando a resiliência dos materiais e a beleza encontrada nos rastros que deixamos para trás.

Os ecos do espírito pioneiro de Hassan Sharif (1951–2016) são evidentes. Pilar da história da arte dos Emirados Árabes Unidos, o artista transformou o mundano em "arte". Seus primeiros trabalhos de "Objetos" ou "Arqueologia Urbana," feitos de pilhas de materiais descartados, tornaram-se poderosas declarações sobre a criação artística, a sociedade e o excesso. Em Towel 4 (2013), incluída nesta exposição, Sharif usa toalhas para criar uma escultura ousada e gestual, incorporando a energia da repetição e da transformação.

Esta exposição coincide com a residência artística de Zé Tepedino no Alserkal, em colaboração com o TAP (Temporary Art Platform), culminando em uma intervenção site-specific durante o Quoz Arts Fest nos dias 25 e 26 de janeiro de 2025. Em sintonia com a prática contextual de Zé, a exposição evoluirá ao longo de sua estadia em Dubai, com novas obras sendo adicionadas ao longo do tempo.


Dezembro de 2024


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[ EN ]

by: Amanda Abi Khalil

Marina is not a place but a tide—a rhythm carried in folds, fibers, and fragments. In this exhibition of carioca artist Zé Tepedino, his first solo show in the UAE, he presents works that reflect on the layers shaping our world—both physical and emotional. When he is not engaging with the city on a scale of 1:1—without permits or fanfare, acting guerrilla-style, rearranging urban materials and furniture in public spaces—you find him hoarding the city’s textures into his Lapa studio. He collects the leftovers of Rio’s streets and beaches—sunburnt umbrellas, faded towels, fabric from the iconic beach chairs, crumpled plastic bags, styrofoam beer coolers from samba rodas, and endlessly discarded Havaianas. Tepedino works with urban fabrics (literally), speaks to the resilience of materials, and the beauty found in the traces we leave behind.


Echoes of Hassan Sharif’s (1951–2016) pioneering spirit abound. A cornerstone of the UAE’s art history, the late artist elevated the mundane into “art”. His early “Objects” or “Urban Archaeology,” made from heaps of cast-offs, transformed into powerful statements on art-making, society, and excess. In Towel 4 (2013), included in this exhibition, Sharif uses towels to create a bold, gestural sculpture, embodying the energy of repetition and transformation.

This exhibition coincides with Zé Tepedino’s public art residency at Alserkal in collaboration with TAP (Temporary Art Platform), culminating in a site-specific intervention by the artist during Quoz Arts Fest on January 25–26, 2025. In keeping with Zé’s context-specific practice, the exhibition will evolve throughout his stay in Dubai, with new works added along the way.


December, 2024.

TUDO É A FORMA QUE FALA

por: Kiki Mazzucchelli


Entre o final de 2019 até 2021, Zé Tepedino realizou inúmeras intervenções efêmeras em diferentes espaços públicos da cidade do Rio de Janeiro, sempre contando com a ajuda de amigos para carregar materiais, montar estruturas e documentar a obra. Realizadas improvisadamente e sem nenhum tipo de autorização oficial, essas ações reverberam, em certa medida, o espírito subversivo de um Flávio de Carvalho, que, ao deparar-se com uma procissão de Corpus Christi no centro de São Paulo, em 1931, decidiu caminhar contra o fluxo dos fieis para realizar um experimento sobre o comportamento das multidões. Menos científico e talvez mais lúdico, Zé Tepedino parece se interessar sobretudo pelo potencial estético dessas intervenções na paisagem urbana. Em Encantado – Linha Amarela, o artista pichou um jogo de amarelinha na pista central da via expressa carioca, numa ação arriscada que depende de momentos de pausa no tráfego intenso. Outra intervenção, dessa vez na praia em São Conrado, consistiu em uma escultura temporária construída com pedaços de telha Brasilite encontrados, com comprimentos variáveis, enfileirados verticalmente em frente ao mar de modo a formar uma espécie de desenho topográfico. Na mesma praia, no dia de São Cosme e Damião, Zé Tepedino criou um playground de esculturas construídas com tábuas e sarrafos inspiradas na forma dos brinquedos de parquinhos públicos. Eram, no entanto, brinquedos escultóricos: no escorregador, a rampa com queda em 90 graus; na gangorra, as duas tábuas formando um “x” fixo, tudo isso impedia que pudessem ser utilizados da maneira tradicional e dentro dos protocolos de segurança.

A exposição Tudo é a forma que fala, primeira individual de Zé Tepedino na Galeria Triângulo abre com uma dessas peças, instalada no espaço externo da galeria: um balanço preso cujas cordas são atadas à duas estruturas simetricamente posicionadas, de modo que o assento se encontra num permanente estado de suspensão. No interior do edifício, encontramos um grupo diverso de esculturas, obras de parede, filmes, entre outros trabalhos produzidos nos últimos cinco anos. Parece justo dizer que Zé Tepedino pertence a uma longa tradição de artistas – do Dada, Surrealismo, Pop, Novo Realismo, Arte Povera e além -que trabalham a partir de materiais encontrados, criando composições a partir da assemblage desses objetos. A ênfase, no caso de Zé, é no encontro com as qualidades físicas do material (a forma) que, por ser na maior parte das vezes um material de segunda mão, já vem carregado de informações acumuladas ao longo de sua existência prévia como objeto utilitário. São, ainda, materiais corriqueiros, que fazem parte tanto de seu cotidiano urbano (os guarda-sois, as telas de proteção de canteiros de obras) quanto do dia-a-dia privado (os cabides, os chinelos de borracha, os livros).

Sua metodologia de trabalho seria análoga, nas palavras do próprio artista a “(u)ma certa maneira de se falar as coisas, um improviso com as palavras”. Nesse sentido, cada objeto ou material utilizado em suas construções equivale à um vocábulo, um termo, uma palavra, cujo sentido se transforma dependendo do contexto e da maneira em que é empregado: quais são os outros termos dessa sentença, se está sendo gritado, sussurrado, falado com afeto, raiva, humor, podendo expressar infinitos significados dependendo de como se apresenta ao mundo. Zé Tepedino cita o cineasta Eduardo Coutinho: “Não existe assunto novo. Apenas maneiras diferentes de se falar sobre eles.” A forma, na obra de Zé, pode ser uma assemblage de objetos, mas pode ser também uma experiência no espaço, uma imagem que se constrói, ainda que momentaneamente, numa paisagem urbana. Mas, o ponto de partida é sempre a matéria, suas características formais. O trabalho é uma resposta àquilo que já existe no mundo. Vejo aí uma atitude quase meditativa, uma certa calma na observação minuciosa dos detalhes que cada objeto carrega, quase como alguém que busca compreender uma língua desconhecida para aí então iniciar um diálogo. Tudo começa na forma, na matéria.

Justamente, por ser a forma uma linguagem tão maleável e distinta da linguagem verbal, ela não se encerra em uma ideia ou proposição predeterminadas, ela não é ilustração de um pensamento. Há, na obra de Zé Tepedino, um repertório de materiais, que seriam suas “palavras”, a partir do qual ele constrói sua linguagem. Vejo esse repertório de Zé como um repertório que se cruza, formalmente, com um vasto inventário de obras icônicas de artistas da vanguarda do século XX e de contemporâneos, às vezes ambos simultaneamente. No conjunto apresentado na Galeria Triângulo, vejo ecos dos combines Rauschenberg, alusões aos concretos e neoconcretos até a Marisa Merz, Eva Hesse, Alexandre da Cunha, entre muitos outros. E, no entanto, as obras de Zé trazem uma abordagem DYI, um humor, e um poder de síntese que fazem com que sejam unicamente suas, expressões de uma linguagem própria que dialoga com aquilo que existe no mundo. Na verdade, não sei o quanto Zé conhece ou se interessa por nenhum desses nomes que citei, e isso nada importa. Pois não é a forma justamente essa linguagem outra, que permite que cada um encontre ali associações e referências que tem a ver com sua própria vivência? Tudo é a forma que fala, mas nem todos escutam a mesma coisa.


Fevereiro de 2023


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[ EN ]


ZÉ TEPEDINO: EVERYTHING IS THE FORM THAT SPEAKS

by: Kiki Mazzucchelli

Between the end of 2019 and 2021, Zé Tepedino carried out numerous ephemeral interventions in different public spaces in the city of Rio de Janeiro, always counting on the help of friends to carry materials, assemble structures, and document the work. Performed improvisationally and without any official authorization, these actions somewhat echo the subversive spirit of Flávio de Carvalho who, upon encountering a Corpus Christi procession in downtown São Paulo in 1931, decided to walk against the flow of the faithful to conduct an experiment on crowd behavior. Less scientific and perhaps more playful, Zé Tepedino seems primarily interested in the aesthetic potential of these interventions in the urban landscape. In Encantado – Linha Amarela, the artist drew a hopscotch game on the central lane of the Rio expressway, a risky action that depends on moments of pause in the heavy traffic. Another intervention, this time on the beach at São Conrado, consisted of a temporary sculpture constructed from found pieces of Brazilite roofing tiles, arranged vertically in front of the sea to form a kind of topographic drawing. On the same beach, on São Cosme and Damião day, Zé Tepedino created a playground of sculptures made from boards and slats inspired by the shape of public playground equipment. These, however, were sculptural toys: the slide with a 90-degree drop; the seesaw, with two boards forming a fixed "x" - all of which prevented them from being used in the traditional way and within safety protocols.

The exhibition Tudo é a forma que fala (Everything is the Form that Speaks), Zé Tepedino's first solo show at Galeria Triângulo, opens with one of these pieces, installed in the gallery's external space: a swing whose ropes are tied to two symmetrically positioned structures, so that the seat is in a permanent state of suspension. Inside the building, we find a diverse group of sculptures, wall works, films, and other pieces produced over the last five years. It seems fair to say that Zé Tepedino belongs to a long tradition of artists - from Dada, Surrealism, Pop, Nouveau Réalisme, Arte Povera, and beyond - who work with found materials, creating compositions from the assemblage of these objects. The emphasis, in Zé's case, is on the encounter with the physical qualities of the material (the form) which, being mostly second-hand, already carries information accumulated over its previous existence as a utilitarian object. These are still everyday materials that are part of both his urban daily life (beach umbrellas, construction site safety nets) and private day-to-day life (hangers, rubber flip-flops, books).

His working methodology could be analogous, in the artist's own words, to “a certain way of saying things, an improvisation with words.” In this sense, each object or material used in his constructions is equivalent to a vocabulary, a term, a word, whose meaning changes depending on the context and the manner in which it is employed: what the other terms in the sentence are, whether it is being shouted, whispered, spoken with affection, anger, or humor, potentially expressing infinite meanings depending on how it is presented to the world. Zé Tepedino quotes filmmaker Eduardo Coutinho: “There is no new subject. Only different ways of talking about them.” The form, in Zé's work, can be an assemblage of objects, but it can also be an experience in space, an image constructed, even if momentarily, in an urban landscape. But the starting point is always the material, its formal characteristics. The work is a response to what already exists in the world. I see here an almost meditative attitude, a certain calm in the detailed observation of the details each object carries, almost like someone trying to understand an unknown language before starting a dialogue. Everything begins with the form, the material.

Precisely because form is such a malleable language and distinct from verbal language, it does not end in a predetermined idea or proposition, it is not an illustration of a thought. In Zé Tepedino's work, there is a repertoire of materials, which would be his “words,” from which he constructs his language. I see Zé's repertoire as one that formally intersects with a vast inventory of iconic works by 20th-century avant-garde and contemporary artists, sometimes both simultaneously. In the collection presented at Galeria Triângulo, I see echoes of Rauschenberg's combines, allusions to concrete and neoconcrete artists, to Marisa Merz, Eva Hesse, Alexandre da Cunha, among many others. And yet, Zé's works bring a DIY approach, a humor, and a power of synthesis that make them uniquely his, expressions of a personal language that dialogues with what exists in the world. In reality, I do not know how much Zé knows or is interested in any of these names I mentioned, and it does not matter. For isn't form precisely this other language that allows each person to find associations and references related to their own experience? Everything is the form that speaks, but not everyone hears the same thing.

February 2023

O RAIO VERDE

por: Julie Dumont

O raio verde, ou flash verde, é um fenômeno óptico meteorológico que às vezes ocorre transitoriamente no momento do pôr ou nascer do sol. Quando as condições estão certas, um ponto verde distinto é brevemente visível acima da borda superior do disco solar; a aparência verde geralmente dura não mais do que dois segundos. Raramente, o flash verde pode se assemelhar a um raio verde disparando do ponto do pôr ou nascer do sol.

Ecoando o romance homônimo de Júlio Verne, que cruzou o oceano na bagagem de Zé Tepedino, a busca pelo raio verde implica uma busca pelo horizonte, uma capacidade de olhar além do que é familiar. O Raio Verde, encerrando a residência de Tepedino no ZSenne ArtLab, oferece uma transposição visual dessa pesquisa em direção a uma perspectiva mais ampla, partindo do ponto de vista subjetivo do artista.

Atravessando a Bélgica de fronteira a fronteira, ao longo da costa ou vagando pelas ruas de Bruxelas, Zé Tepedino revela um sistema operacional lúdico que redefine os contornos de seu ambiente. Em uma tentativa de recriar as memórias salgadas que permeiam sua vida e experiência de trabalho no Brasil, caminhando na margem do mundo, o artista reúne objetos encontrados, expondo um olhar atento para o que não é visível à primeira vista, para o que está supostamente desaparecendo. Deslocando esses resíduos recuperados de sua função inicial e proporcionando-lhes novos significados; organizando volumes, formas e matizes, jogando fluidamente com a densidade dos materiais, o artista cancela a tensão subjacente entre duro e macio, geometria e organicidade, urbano e natureza. Deixando espaço para que o material exprima sua essência e as memórias maiores que contém; o artista rearranja um mundo, no qual a paleta de cores pouco saturada revela o efeito desvanecente do tempo e da exposição ao sol e objetos prontos e assemblages invocam a brisa do oceano e a linha do horizonte.

Assim, uma grade feita de tiras entrelaçadas e penas lembra uma rede de pesca ou uma escada de corda de barco. Páginas de livros que outrora contaram histórias de viagens ou travessias oceânicas são montadas em esculturas de formas orgânicas ou cobrem as janelas como uma espécie de pintura expandida, invertendo o uso comum de esconder vitrines vazias dos transeuntes e realçando a ocupação do espaço. Um colchão de espuma cortado e curvas de cabides aludem às ondulações das ondas, enquanto ataduras montadas mimetizam uma vela ou bandeira e uma toalha de banho manchada conjuga a linha do horizonte de uma pintura marítima. Finalmente, um vídeo nos convida a seguir os passos do artista ao longo da costa, ecoando a atenção de Tepedino para o que literalmente existe na margem.

Costurando, trançando, montando ou caminhando; a poética de Tepedino gira em torno do tempo e das memórias contidas em elementos descartados, que ele organiza para entender o mundo. Seguindo o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, essa compreensão só acontece com a fusão de diferentes horizontes: o do artista e o do espectador, o passado e o presente, o objeto, o processo de pensamento e a linguagem; criando os contornos de uma nova psicogeografia, apropriando-se dos espaços através da imaginação, como pequenas ilhas que se deslocariam e se reuniriam em arquipélagos de um entendimento comum, uma nova Pangeia.

Central ao filme de Éric Rohmer de 1986, o raio verde acredita-se dar uma percepção elevada àqueles que o veem, um dos personagens explica ainda que "quando você vê o raio verde, você pode ler seus próprios sentimentos e os dos outros também". É provavelmente onde o artista se encontra, em um momento transitório onde o equilíbrio é encontrado entre a observação silenciosa e o movimento da criação artística, no diálogo que a experiência artística implica entre o artista, o espectador e a obra de arte, em uma fusão de horizontes subjetivos, possivelmente nos permitindo entender melhor nosso entorno, ver o que está próximo e além.

"O conceito de horizonte sugere-se porque expressa a amplitude superior de visão que a pessoa que está tentando entender deve ter. Adquirir um horizonte significa que se aprende a olhar além do que está ao alcance – não para desviar o olhar, mas para vê-lo melhor". Hans-Georg Gadamer.



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[ EN ]


O RAIO VERDE

by: Julie Dumont


The green ray, or green flash, is a meteorologicaloptical phenomenon that sometimes occurs transiently around the moment of sunset or sunrise. When the conditions are right, a distinct green spot is briefly visible above the upper rim of the solar disk; the green appearance usually lasts for no more than two seconds. Rarely, the green flash can resemble a green ray shooting up from the sunset or sunrise point.

Echoing Jules Vernes´ eponymous novel, which crossed the ocean in Zé Tepedino´s luggage, the quest for the green ray implies a search for the horizon, an ability to look beyond what is familiar. O Raio Verde, closing Tepedino´s residency at ZSenne ArtLab, offers a visual transposition of this research towards a broader perspective, departing from the artist´s subjective standpoint.

Crossing through Belgium from border to border, alongside the coastline or wandering in the streets of Brussels, Zé Tepedino reveals a playful operating system that redefines the contours of his environment. In an attempt to recreate the salted memories that permeate his life and work experience in Brazil, trailing on the margin of the world, the artist gathers found objects,exposing an attentive gaze for what is not visible at first sight, for what is supposedly disappearing. Dislocating these scavenged residues from their initial function and providing them with new meanings; sorting out volumes, shapes and hues, playing fluidly with the materials´ density, the artist cancels the underlying tension between hard and soft, geometry and organicity, urban and nature. Leaving room for the material to express its essence and the larger memories it contains; the artist rearranges a world, in which the low saturated color palette reveals the fading effect of time and exposure to the sun and ready-made objects and assemblages invoke the ocean breeze and the horizon line.

Like this, a grid made of intertwined straps and feathers recalls a fishing net or a boat rope ladder. Pages of books that once told travel tales or ocean crossing stories are assembled into organically shaped sculptures or cover the windows as a kind of expanded painting, inverting the common use to hide empty shopwindows from passersby and enhancing the space occupation. A sliced foam mattress and clothes hangers’ curves allude to wave undulations, while assembled bandages mimic a sail or flag and a stained bath towel conjuncts the horizon line of a maritime painting. Finally, a video invites us to follow the artist´s footsteps along the coastline, echoing Tepedino´s attention for what literally exists at the margin.

Stitching, threading, assembling, or walking; Tepedino´s poetics revolve around time and memories contained in discarded elements, which he arranges to understand the world. Following German philosopher Hans-Georg Gadamer, this understanding only happens with the fusion of different horizons: the artist´s and the viewer´s, the past and the present, the object, the thought process, and the language; creating the contours of a new psychogeography, appropriating spaces through imagination, like tiny islands that would shift and gather in archipelagos of a common understanding, a new Pangaea.

Central to Eric Rohmer's 1986 film, the green ray is believed to give a heightened perception to those who view it, one of the characters further explaining that "when you see the green ray you can read your own feelings and others too". This is probably where the artist stands, in a transient moment where balance is found between the quiet observation and the movement of the artmaking, in the dialogue that the artistic experience implies between the artist, the viewer and the artwork, in a fusion of subjective horizons, possibly allowing us to better understand our surroundings, to see what is nearby and beyond.

“The concept of horizon suggests itself because it expresses the superior breadth of vision that the person who is trying to understand must have. To acquire a horizon means that one learns to look beyond what is close at hand – not in order to look away from it but to see it better”. Hans-Georg Gadamer.



SEGUINDO A LONGARINA, ENCONTRA-SE UM MUNDO ENCANTADO

por: Julie Dumont


Partindo da matéria, Zé Tepedino segue um jogo intuitivo de experimentação, deslocamentos, torsão e negação de regras, no qual objetos descartados (re)encontram um significado. Ao observar o cotidiano da rua ou da praia, o artista absorve elementos do banal que ele dispõe em arranjos que parecem refletir as suas andanças na cidade ou o vai-e-vem de um dia no mar. Da tranquilidade da observação e do silêncio do caderno até o movimento do ateliê, Zé Tepedino propõe uma organização do mundo na qual ele reinventa uma integridade aos seus resquícios abandonados.

Assim, barracas e cadeiras de praia ou sacos de ráfia viram pinturas expandidas, evocando bichos marinhos ou formas orgânicas, enquanto tiras de chinelos elaboram composições geométricas. A associação destes elementos contém as contradições e as oposições que permeiam o pensamento do artista.

O tempo demorado da costura, do tear e da delicadeza de um olhar atento à poesia das ruínas se contrapõem à precariedade aparente das obras, a um tempo matemático e frio da decomposição dos nossos rastros na natureza e encontram-se em um campo comum no qual o artista resolve as tensões entre orgânico e sintético, o mar e o caos da cidade.

De fato, parece que uma brisa sopra na obra de Zé Tepedino, amenizando o sol incandescente, que, por sua vez, suaviza as cores dos seus arranjos. Nascido e trabalhando no Rio de Janeiro, o artista transfigura o atrito que existe entre praia e asfalto e cria um interstício onde convivem o pulso da cidade e o fluxo das ondas. É neste equilíbrio que só existe no movimento, nesta visão abrangente do ritmo de um todo abraçado em sua diversidade e complexidade, que se revela o olhar de quem sabe ler o vento e as ondulações do mar para se enfiar nas ondas. Esta atenção às coisas imperceptíveis, a observação do sutil de quem mora na dobra da natureza – no caso da onda - é o que aproxima o surfista do artista, o Zé do Tepedino. Pois o artista também integra, na sua prática, a captura de um momento fugaz, usando o impulso da matéria e do seu entorno para organizá-los. Se aproveitando das suas texturas e cores, dos seus encaixes e relevos em um novo redefinir.

Este pensamento, que se concretiza no acúmulo e na repetição no campo da matéria, também se desdobra no campo da paisagem, marítima ou urbana trazendo formas orgânicas ou elementos arquitetônicos para pontuar o espaço público. Assim, telas de nylon ou lonas plásticas ondulam no vento e mimetizam as velas de navios ou as frestas das ondas, ou ainda, propiciam um abrigo dos raios do sol para uma escultura, enquanto telhas onduladas se sobrepõem a linha do horizonte e outdoors de tecido ornam terrenos baldios.

Com o seu conjunto de obra, o artista parece sintetizar uma seleção subjetiva das imagens que nos cercam, criando um vocabulário minimalista de formas abstratas cujo significado, mesmo deslocado e reduzido a sua expressão mais simples, ainda evoca, entre as linhas, o menor denominador comum de uma figuração familiar. O artista integra e coloca assim em diálogo referências diversas, olhando no retrovisor do concretismo, do modernismo ou do Neo-Dada assim como de artistas cujas práticas singulares continuam como um mistério como o Bispo do Rosário, sem deixar de capturar a fugacidade do agora nem perder de vista a estrada à frente. A estética depurada de Zé Tepedino mora assim nas dobras da natureza e do mundo e substitui uma abordagem fluida e intuitiva, um ritmo sem rupturas ao tempo acelerado e fragmentado contemporâneo. Ao seguir a longarina da sua prancha ou as costuras das suas composições, podemos assim encontrar um mundo encantando no qual a organização segue os tempos próprios da matéria, em fluxo.


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[ EN ]


FOLLOWING THE STRINGER, YOU FIND AN ENCHANTED WORLD

by: Julie Dumont

Starting with matter, Zé Tepedino follows an intuitive game of experimentation, displacements, torsion, and rule negation, in which discarded objects (re)discover meaning. By observing the daily life of the street or the beach, the artist absorbs elements of the banal, arranging them in ways that seem to reflect his wanderings in the city or the ebb and flow of a day at sea. From the tranquility of observation and the silence of his notebook to the movement of the studio, Zé Tepedino proposes an organization of the world where he reinvents integrity for his abandoned remnants.

Thus, beach tents and chairs or raffia bags become expanded paintings, evoking sea creatures or organic forms, while flip-flop straps create geometric compositions. The association of these elements contains the contradictions and oppositions that permeate the artist’s thinking.

The slow time of sewing, weaving, and the delicacy of an attentive eye to the poetry of ruins contrasts with the apparent precariousness of the works, a mathematical and cold time of decomposing our traces in nature, meeting in a common field where the artist resolves the tensions between organic and synthetic, the sea and the chaos of the city.

Indeed, it seems that a breeze blows through Zé Tepedino’s work, soothing the scorching sun, which in turn softens the colors of his arrangements. Born and working in Rio de Janeiro, the artist transfigures the friction that exists between beach and asphalt and creates an interstice where the pulse of the city and the flow of the waves coexist. It is in this balance that only exists in movement, in this comprehensive vision of the rhythm of a whole embraced in its diversity and complexity, that the gaze of one who knows how to read the wind and the undulations of the sea to ride the waves is revealed. This attention to imperceptible things, the observation of the subtle by one who lives in the fold of nature—in the case of the wave—is what brings the surfer closer to the artist, Zé to Tepedino. For the artist also incorporates, in his practice, the capture of a fleeting moment, using the impulse of the matter and its surroundings to organize them. Taking advantage of their textures and colors, their fits and reliefs in a new redefinition.

This thought, which materializes in the accumulation and repetition in the field of matter, also unfolds in the field of the landscape, maritime or urban, bringing organic forms or architectural elements to punctuate the public space. Thus, nylon screens or plastic tarps ripple in the wind and mimic the sails of ships or the crests of waves, or provide a shelter from the sun’s rays for a sculpture, while corrugated tiles overlap the horizon line and fabric billboards adorn vacant lots.

With his body of work, the artist seems to synthesize a subjective selection of the images that surround us, creating a minimalist vocabulary of abstract forms whose meaning, even displaced and reduced to its simplest expression, still evokes, between the lines, the smallest common denominator of familiar figuration. The artist integrates and thus puts in dialogue diverse references, looking in the rearview mirror of concretism, modernism, or Neo-Dada as well as artists whose singular practices remain a mystery like Bispo do Rosário, without failing to capture the fleetingness of the present nor losing sight of the road ahead. The refined aesthetics of Zé Tepedino thus reside in the folds of nature and the world and replace a fluid and intuitive approach, a rhythm without ruptures to the accelerated and fragmented contemporary time. By following the stringer of his surfboard or the seams of his compositions, we can thus find an enchanted world where organization follows the proper times of matter, in flow.

RIO: A MEDIDA DA TERRA


Em seus trabalhos, o artista Zé Tepedino frequentemente persegue modos de gerar estranhamento diante de objetos banais e fragmentos de materiais, encontrados fortuitamente pelas ruas da cidade do Rio. Estas frações da experiência urbana são articuladas com outros objetos marcados por um uso pregresso. Destas articulações, emergem situações escultóricas e pictóricas inusitadas, fortemente atravessadas por uma preocupação com a forma, a composição, e com as relações entre os materiais utilizados. Este cuidado, contudo, jamais faz com que seus trabalhos resultem em composições plenamente harmônicas, já que Tepedino invariavelmente mantém o senso de precariedade e improviso, que movem seus exercícios plásticos. Suas soluções formais prezam pela capacidade de síntese e raramente dependem de um domínio virtuoso da técnica. Operando enquanto um bricoleur, o artista comenta uma série de práticas constitutivas da cultura material brasileira, tais como a gambiarra, e o design e arquitetura vernaculares.



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[EN]

In his work, the artist Zé Tepedino often pursues ways of generating strangeness in the face of banal objects and fragments of materials found fortuitously on the streets of the city of Rio de Janeiro. These fractions of urban experience are articulated with other objects, marked by a previous use. From these articulations, unusual sculptural and pictorial situations emerge, strongly crossed by a concern with form, composition and the relationships between the materials used. This care, however, never means that his works result in fully harmonious compositions, as Tepedino invariably maintains the sense of precariousness and improvisation that drives his plastic exercises. His formal solutions emphasize his capacity for synthesis and rarely depend on a virtuoso mastery of technique. Operating as a bricoleur, the artist comments on a series of practices that make up Brazilian material culture, such as the kludge, and vernacular design and architecture.
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